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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Tenho nojo dos meios
Nojo da politicagem
Desses sonhos vendidos
Das almas trocadas
Dos planos perdidos
Eu tenho nojo dos meios
Da máfia, do anúncio
Da vaga não preenchida
Das pílulas pra esquecer
Do acomodado que se isenta
Nojo dos lados
De quem toma partido
Nojo dos corpos
Vendidos em troca
De poder, dinheiro e fama
Tenho nojo de ti
Das modas e modismos
Das fotos e legendas
Da oratória
Da zorra toda
Tenho nojo de mim
Dos repertórios
Das iras, fúrias
Subversões
Nojo das greves
Dos piquetes
Da massa otária em levedo
Do anarquista de almanaque
Dos professores mequetrefes
Do alienado, do operário
Do burguês, do patrão
Tenho nojo do mundo
Tenho nojo da humanidade
Tenho nojo dos sexos
Das idades
Pra onde foram os sonhos?
Vendi por dois pães e uma dose
Pra onde foi a rebelião?
Ficou trancafiada no porão
Pra onde foram os homens?
Viraram ratos na inquisição
E a história, e a filosofia
Os mapas, os fósseis, os rumos?
Encontraram atalho eletrônico
Pra onde você foi?
Fui pra longe tentar ser eu mesmo.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Não há nada que se compare a um coração desocupado...



Não há nada que se compare a um coração desocupado. Nem mesmo um coração ocupado, pelo mais doce amor correspondido, nem este pode ser comparado ao instante de paz, sossego e liberdade que de um coração desocupado emana. Ele é ele e ponto. Ele não é ansiedade, angústia ou paranóia. Ele não espera por absolutamente nada, não sofre, não inventa, não cria constelações de ilusões entre seus vãos ou rios de esperanças nos seus armazéns. Ele goza simplesmente daquele pequeno e raro momento, aquele em que sentimos que podemos partir para onde quer que desejemos, sem nos enrolarmos nos cordões de prata do amor que nos une e nos segue sem querer. Um coração desocupado é aquele que arruma as malas de madrugada e pela manhã está pronto para partir, ainda que saiba que qualquer batida de vento em seu rosto pode trazer o amor dilacerante outra vez. Mas enquanto ele é ele e nada ou ninguém mais, ele pode voar, sonhar sem doer com os dias que virão. Enquanto ele é só ele, o coração desocupado se embriaga de poesia, ainda que de brisa, experimenta o gosto do mundo que o amor jamais poderá oferecer, pelo menos para pessoas como eu. Pessoas como eu têm um daqueles amores desconfiados, meio de canto de olho. Não admitem que podem ser amadas, e encontram as mais loucas provas de que estão sempre certas, que a sua teoria é infalível e altamente palpável. Pessoas como eu, sentem-se felizes com seus corações desocupados, mais do que poderiam ser com quaisquer dos preenchimentos amorosos. Amores platônicos até nos caem bem, pelo menos por um tempo, diferente dos namoricos de portão, amizades coloridas, amores à primeira vista ou de verão. Pessoas como eu, que guardam a sete chaves corações como o meu, morrem de medo de enlaçar-se nesse emaranhado de emoções. Fazem-se de difíceis, bancam as duronas, mas, na verdade, apaixonam-se perdidamente todo dia, porque pessoas como eu, com corações como o meu, procuram sempre um sopro de vento que se compare a um coração desocupado, só que sem nada em comum...


(Texto bobo e antigo - mas que condiz com o momento - encontrado entre os arquivos)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

até quando vinícius quiser





foi bem ali, no meio daquela kitnet verde-musgo-rosa-antigo, que eu olhei pra ti, quando me ensinava a lidar com a câmera nova. nova também era a cidade e a revista, e tu, era meu guia, dentro e fora dos edifícios, das sessões de cinema, das noites da metrópole. a kitnet tinha apenas um colchão, canecas de café, um cinzeiro de vidro em cima da mesa ao lado do notebook, uma mala, livros empoeirados de jornalismo policial, astrologia e culinária de botequim, uma tv pequena, um dvd barato, quadros rusticamente pintados com cores primárias – que mais pareciam ter sido feitos por uma criança atormentada –, os quais não encontraram lugar nas molduras ou divisórias, e fotografias de trabalho nas paredes. e olhando para as fotos em preto & branco, já tão velhas, tu me dizia sorrindo: “se tu tira fotos desde a infância, não achas que já deveria ter aprendido?” e eu, com cara de “também acho”, lerda em tecnologias, sorri de volta pra tua boca, submersa naquela barba toda e pedi: “pra sempre?” e tu citava vinícius, em soneto de fidelidade: “que não seja imortal, posto que é chama. mas que seja infinito enquanto dure.” preocupado com reações, tu continuava de olho na máquina, desviando de quando em quando pra minha boca que então citava caio fernando: “deixa o vento soprar, let it be”. e tu cantou um trecho da música, me beijou e me desvendou, para o resto dos meus dias. ou até quando vinícius quiser.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

vagos dias






















basta um toque apenas
para acionar toda essa explosão
de veias alarmadas, varizes nervosas
que me tomam o corpo enfermo
me espalho no vento inflamada de amores
me espalho nos teus cabelos
em finos sopros de esperança
basta um toque apenas e já sou tua
e com o passar dos dias
a indiferença que me cala
vai apagando sopro a sopro
o que resta da minha alegria
eu já não sou nada, muito menos minha
amaldiçôo o toque maldito
torno maldito o bendito
roçar de línguas da tua boca
nada, não sou nada
sequer decodifico os poemas
que lhe teço infame
nada, não sou nada
trapo antigo, rasgado no beco
pois não há de haver
dor maior que a indiferença
antes me dedicasse o teu ódio
tua ira, tua injúria
antes me despejasse grosserias
fizesse de mim messalina
amante dos vagos dias
antes me fizesse messalina
mas não, me ofertas teu silêncio
e do teu silêncio
se cria a minha dor
aninhada de solidão extrema
me sinto doente
o corpo já não abarca
de anti-corpos a dor
que vem de dentro
então jamais me toque
nunca mais toque na minha dor
não toque mais nessa ferida
se não quiser vê-la vestida de amor

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

queda livre



ele não responde,

ele não liga,

ele já não fala,

não ouço a sua voz.

quem é ele,

quem é ele,

quem é ele?



ele já não respira,

ele já não ouve,

ele não se move,

ele morreu.

ele não abre espaço,

ele não encontra caminho,

ele já não vive.



quem é ele?

quem é ele?

quem é ele?

ele se foi,

não voltou.

será que esqueceu?

será que pirou?

desistiu?

sonhou?



queméelequeméelequeméele?

terá o telefone estragado,

terá a caneta findado,

terá o suporte furado,

terá a linha quebrado,

terá a sorte azarada,

terá a sombra enviuvado,

terá a memória despedaçada,

terá a visão embaçada,

terá os poemas queimado,

terá as fotos aniquilado,

terá as desculpas escapado,

terão seus dedos enferrujado,



terá sua boca colada,

terá a pá de cal lançado?

terá? será?



bolero, violino,

cabaré de sonhos, café frio.

tu me deixou e meu riso virou rio.

meu desalinho desandou,

sou de linhas & manchas,

puxadas, pinceladas de fogo fátuo.

tufoiembora, eu não sei o que dizer.

te escrevo esse poema

que é pra não esquecer

que a minha rima pobre quer,

nas vias de fato,

relembrar teu nome

e que penso em ti

nem que seja pra lembrar

que já esqueci.



(pseudo-psicografado por um espírito exagerado, irreal e imaturo)



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

desalinho


gosto desse estado entre paixões

tão raro, tão calmo, tão tranqüilo...

a pele amarelada de sois

meu hotel de ilusões particular


gosto de aceitar as estações

as idades das coisas, os tempos, os climas

tempestades, relâmpagos, trovões

manhãs brandas, céu azul, chuva fina


gosto de enfrentar essa guerra

dos meus infernos & paraísos astrais

gosto do verde, do roxo-vivo, púrpura

das rosas-magentas, da ferida que não dói mais


gosto da essência das sementes, de regar botões

acariciar sua prole, prover seu pólen

me agrada a dança das águas

“nesse rio que corre em veias mansas dentro de mim”


gosto da madeira como elemento

das presenças que invadem a alma

do estado infantil do ser humano, não raso

do balanço da rede nas tardes de domingo


das formas barrocas, dos dedos de diva

do hortelã do teu crivo, gudang

fazendas floridas, estampas, desalinho

de todo esse vinho, do teu beijo de mil morfinas


dessa centelha de vida que me invade

desse festival divino à flor-da-pele

dos perfumes, dos risos, dos poemas

das cantigas de ninar, dos infantes


livre do que me dilacera

longe de ti, “minha grande, minha pequena obsessão”

já que da tua lembrança ficou o vapor

ecos & sombras de palavras que se foram


palavras não salvas, antigas

que de ti me faziam refém

mas de mim agora sou dona

pois me sinto minha e não mais tua


da minha boca, fruta vermelha

fica o gosto do que se foi

fruto fora de época, perfil de begônia

que não mais reinará no teu jardim


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Os cafajestes (não) merecem o paraíso - Uma analogia descarada


É possível que o lugar ocupado por um cafajeste só seja devidamente medido quando, sem mais delongas, conseguimos tira-lo de nossas vidas. Um alívio em perceber que estamos, pela primeira vez desde os tempos remotos, condizentes com a nossa intuição. Não seria uma inverdade admitir que os cafajestes estimulam a nossa imaginação, nossa veia criativa; pois, para tolerar ou tentar compreender as atitudes de um cafajeste, nos lançamos em um descampado, porém rico e imaginativo, para nos convencer, da maneira mais poética e humana, de que não é possível existir ser vivente com tamanho despeito.
Senso de humor particular, estratégia amorosa pouco usual, medo de compromisso, trauma de infância, descaso materno ou paterno. Tudo isso entra em questão quando queremos justificar a personalidade de um cafajeste. Porém, pasmem as descrentes: os cafajestes existem, e estão entre nós. Hedonistas incuráveis, egocêntricos, quantitativos, apelativos, de olhares caninos, eles estão em toda parte. E haja psicanálise freudiana de botequim para explicar como é que eles surgem.
Senhoras bem-casadas, cuidem-se: eles podem estar entre vós. Nem todos possuem características semelhantes entre si e há aqueles que, como camaleões predadores do deserto, camuflam-se com zelo tal, que jamais, a mais desconfiada, neurótica e histérica balzaquiana ousaria por em xeque a sua conduta.
As chamadas mulheres do mundo, vividas, curtidas, também são vítimas corriqueiras dos cafajestes. Isso porque a carência e o excesso de pressão social é capaz de fazê-las admitirem um cafajeste para chacoalhar a solidão. Crentes de que “esse é diferente”, experimentam também o veneno amargo do cafajestino.
É claro que um mundo sem cafajestes seria um mundo menos boêmio, perderia o aspecto romântico ofertado pela canalhice. Não tentaremos aqui tirar os méritos dos cafajestes, canalhas e cachorros de espécies variadas. O universo feminino sem eles seria duro demais, sério demais, exato e previsível demais. Cafajestes ofertam ao mundo uma doce ilusão, que perdura mais ou menos o mesmo tempo que uma gripe. Entretanto, parasitas, muquiranas, se infiltram no frágil sistema emocional feminino e podem provocar estragos irreversíveis.
Mas dizem que mulher alguma pode considerar-se experiente nas intrincadas artes do amor sem ter passado, pelo menos uma vez na vida, pelas hábeis mãos de um cafajeste. E é provável que cafajeste algum passe pelo mundo à toa, ainda que com toda e única sede de prazeres que possui. Depois de um cafajeste, as mulheres são mais capazes de detectar investidas canalhas e, consequentemente, vislumbrar olhares mais bem intencionados.
Portanto, aos cafajestes de nossas vidas, agradecemos por toda a poesia, mas sigam adelante com essa indomabilidade dócil de cão sem dono bem longe de nós. Seguiremos com nossa poker face até que um novo caso seja escrito pelo destino.

(Inspirado em conversas noturnas com o grande Legramantti)